Desconcertante...
"Entrevista
Jardim diz que as eleições não são ajuste de contas
Data: 22-02-2007
DIÁRIO - Como se sente na situação inédita de presidente demissionário? Alberto João Jardim - Não vou dizer o que o dr. Mário Soares disse uma vez: que se sentia como um passarinho fora da gaiola. Mas... não é uma sensação má. As perspectivas que se abrem são claras. Ou me dão a confiança para eu governar para resolver esta situação até 2011 ou não ma dão, e então vou para férias mais cedo e a minha vida entra num descanso. Eu disse no jantar do Porto Moniz que há um congresso em 2008 e é preciso pensar no futuro do partido, quem será o novo líder do partido. Se me derem agora a confiança, o meu projecto pessoal de vida terá de prolongar mais um tempo a minha carreira política. Estou numa fase em que, suceda o que suceder, é sempre bom para mim.
DIÁRIO - Está a admitir perder as eleições antecipadas? AJJ - Seja o que for que suceda, é sempre bom para mim.
DIÁRIO - Essa viagem com jantares de auscultação aos militantes ainda tem razão de ser? AJJ - Os jantares vão continuar, mesmo os que estão agendados para depois das eleições.
DIÁRIO - O congresso de 2008 também não sofre alteração?AJJ - Tudo igual. Vai ser tudo como estava previsto.
DIÁRIO - Mas os próximos tempos vão aquecer...AJJ - A vida vai correr com serenidade. É costume as campanhas eleitorais, também aqui na Madeira, atingirem um clímax de agressividade, mas eu jurei a mim próprio que vou fazer uma campanha sem qualquer tipo de agressividade.
DIÁRIO - Custa a acreditar numa posição dessas, depois dos ataque mútuos a que se tem assistido cá e lá.AJJ - As coisas são tão evidentes que não vale a pena andarmos aqui a nos aborrecermos. Até porque esta decisão que tomei não é para um ajuste de contas partidário ou pessoal com o Governo de Lisboa. E muito menos com o Presidente da República. Eu compreendo que há quem queira fazer curto-circuito entre mim e o Presidente da República. Enganam-se. Somos amigos há muitos anos e ainda há poucos dias tive ocasião de lhe dizer que, passe-se o que se passar, a amizade e a lealdade são dois valores inalteráveis. O Presidente não é o adversário do PSD-M, pelo contrário.
DIÁRIO - A guerra não vai ser então contra José Sócrates?AJJ - A verdade é que nem mesmo o facto de o adversário principal ser o Partido Socialista nacional me traz qualquer espírito de vingança, de revanchismo, o que até seria muito feio.
DIÁRIO - Então qual vai ser a estratégia?AJJ - Eu propus na comunicação aos Madeirenses os seis objectivos a desenvolver. É o que vamos levar à prática.
DIÁRIO - E os últimos tempos em pé-de-guerra?AJJ - Vamos fechar a porta do passado, vamos a tempos novos.
DIÁRIO - Mas está toda a gente à espera de uma guerra civil Funchal-Lisboa.AJJ - Sabe, quando as pessoas estão à espera de guerra é quando eu não a faço.
DIÁRIO - Acha que alguém acredita que, na campanha, não vá atacar os colaboracionistas e traidores de que tem falado, referindo-se aos dirigentes do PS-M?AJJ - Não vai ser preciso tornar a falar nisso. As pessoas têm isso muito presente.
DIÁRIO - Então porquê o aparato de uma inédita demissão?AJJ - Precisamente para criar condições de realização de um programa de governo que faça a transição deste ciclo, em que a Madeira tem as suas infra-estruturas principais prontas, para um ciclo de predomínio da iniciativa privada e da internacionalização da economia. Para haver predomínio do privado, exige-se um novo sistema de incentivos e um novo quadro legislativo idealizado para o efeito. Inclusive, encomendámos a alguns juristas de nomeada em Portugal a preparação de legislação que nos faça ter um certo contrapeso em relação aos garrotes que Lisboa nos impôs.
DIÁRIO - Não teme que as divergências com Lisboa voltem a implicar com esse projecto?AJJ - Perante um resultado de novas eleições, o Governo Regional terá legitimidade para, de novo, apresentar propostas a Lisboa. E eu não acredito que pessoas que tanto falam em ética democrática queiram ignorar, por sobranceria ou prepotência, o voto do povo madeirense. Mesmo que estes inqualificáveis dirigentes socialistas locais andem aí a dizer que nada vai mudar, eles não falam em nome de Lisboa. Portanto, penso que se pode criar um novo clima.
DIÁRIO - O que é que mudou?AJJ - Quero esclarecer uma coisa. Quem for consultar as contrapropostas que nós fizemos a Lisboa, e não só no domínio das Finanças, verá que não fomos egoístas. Nessas contrapropostas, tínhamos sempre em conta a situação de dificuldade em que o País se encontra. Embora eu insista nisto: nós não somos os culpados pelo estado a que o País chegou. Mas tínhamos sempre em conta as dificuldades. E o que se passou foi que, unilateral e prepotentemente, o Governo de Lisboa não aceitou o diálogo, não aceitou sugestões nossas. E, instrumentalizando partidariamente o Estado, foi-nos impondo um garrote financeiro e criando leis que nos dificultavam a vida, tendo em conta uma estratégia que o PS tinha montado para as eleições regionais em Outubro de 2008.
DIÁRIO - E acredita que tudo isto pode ser ultrapassado agora?AJJ - Sim. A relegitimização que queremos com as eleições cria um novo quadro democrático no País. Mais: a Assembleia Legislativa a sair das novas eleições traduzirá a vontade popular depois de tudo o que aconteceu. Ora, esta Assembleia terá autoridade para amanhã, a continuarem as prepotências e os abusos de Lisboa sobre o povo madeirense, internacionalizar a questão. Sempre no quadro da unidade nacional, mas chamando a atenção do estrangeiro. Mais a mais que Portugal vai presidir à União Europeia na segunda metade deste ano, não é confortável os governos da UE - e a Assembleia Legislativa pode dirigir-se a qualquer governo - estarem a falar com um governo que em Portugal começa por não respeitar os direitos das suas populações.
DIÁRIO - A Assembleia Legislativa precisará de mais poderes...AJJ - É preciso não esquecer que em 2009 teremos uma revisão constitucional. Eu tenho dito que o desenvolvimento da Madeira está impedido por um excesso de matérias que, no campo legislativo, ainda são reservadas à Assembleia da República. Vai ser preciso alterar isso. Como será preciso blindar mais o Estatuto da Madeira. Já estamos a trabalhar nesse sentido, mas estas coisas exigem o seu tempo. Eu não poderia estar a preparar uma revisão constitucional em 2009 limitado por um fim de mandato em 2008. E acho que essa revisão é decisiva para o futuro da Madeira.
DIÁRIO - Só falta ganhar as eleições...AJJ - Eu gostava que o povo da Madeira me desse razão nisto tudo. Mas também, se não me der, não me sucede nada de mal - vou para férias mais cedo. Tenho uma fase de alívio, seja o que for que venha das eleições. Mas eu gostava de lembrar que, em 2004, conseguimos um acordo constitucional. Só que aí o Presidente Jorge Sampaio ajudou. Era outra a Direcção do PS e não foi impossível celebrar-se esse acordo constitucional. Nada impede que se tente fazer um novo acordo e que o Presidente da República exerça o poder moderador que a Constituição lhe confere.
DIÁRIO - Até aqui tem falado dos objectivos que apresentou na comunicação à Madeira. Falta...AJJ - O povo madeirense vai a eleições para dizer o que pensa ao País. E ao mundo, porque este processo que leva às eleições está a ser seguido pela imprensa estrangeira em Lisboa e também pelas embaixadas. Tenho tido o cuidado de falar com os embaixadores sobre estas questões. Não é por acaso que, nos últimos dois meses, há uma intensa frequência de visitas de embaixadores à Madeira. Por outro lado, o eng.º Sócrates, que tem eleições em 2009, não vai querer perder os votos dos madeirenses. Portanto, será importante chegarmos a um acordo.
DIÁRIO - Vai dar algum passo para isso?AJJ - Eu sempre dei. As portas é que estiveram fechadas até agora. Se, em 2009, persistir esta atitude de arrogância política e ditatorial contra a Madeira, nós temos tempo para ajudar à festa e fazer com que o eng.º Sócrates não ganhe as eleições. Até porque eu tenho a certeza de que, com um governo do meu partido em Lisboa já em 2009, vai ser reposta a justiça à Região Autónoma. Aliás, tenho dito à Direcção nacional do PSD que, custe o que custar, tem de ganhar as eleições de 2009, que é para recompor tudo isto que nos foi roubado.
DIÁRIO - Se houver pazes com José Sócrates, não fará campanha em 2009 pelo PSD nacional?AJJ - Faço sempre campanha pelo meu partido. Agora, o eleitorado do PS na Madeira terá motivação para votar no eng.º Sócrates se vir que ele mudou de comportamento. Não acredito que algum socialista de bom senso vote agora nele.
DIÁRIO - Pode deduzir-se que a sua vontade é claramente o caminho das pazes com Lisboa?AJJ - Ao enunciar os seis objectivos que enunciei, mostrei não querer saber do que está para trás. Quero ir para a frente. São seis objectivos a pensar no futuro. Não penso em vinganças. As pessoas sabem que não sou bem um homem de partido. Costumo dizer que o meu partido é a Madeira e a minha pátria é Portugal. Como não sou muito um homem de partido, interessa-me mais resolver este problema da Madeira, com a legitimação do voto popular. Em democracia, isso é que é decisivo: o voto do povo. A força do povo a mostrar o que quer através do voto democrático. Depois da situação legitimada... o que lá vai lá vai. Vamos outra vez para a frente.
DIÁRIO - Depois das eleições, vai então propor as pazes?AJJ - Se o povo me der maioria absoluta, eu vou reactivar uma série de propostas em Lisboa. Não em termos de exigência. Vou dizer: bem, vamos lá rever isto tudo outra vez. Viram que os madeirenses se sentem injustiçados. Não há interesse nenhum em manter estes conflitos, vamos lá ver como é que se resolve isto.
DIÁRIO - Vai para estas eleições com a ideia de cumprir todo o mandato de quatro anos?AJJ - Vou.
DIÁRIO - Sem a história de tratar da sucessão a meio?AJJ - São quatro anos. É preciso é que Nosso Senhor me dê vida e saúde.
DIÁRIO - Como vai sanar a dor de cabeça de fazer listas com a redução do número de deputados decorrente da nova Lei Eleitoral? Muita gente vai ficar sem assento na Assembleia...AJJ - Nem no PSD isso é um problema. Tenho de fazer justiça aos actuais deputados. Todos eles, impecavelmente, acabaram por me vir dizer: sr. Doutor, tem toda a razão, vamos para eleições. Absolutamente desprendidos dos seus lugares.
DIÁRIO - Qual é o perfil de candidato para a sua lista?AJJ - Era o que faltava eu pôr isso no Diário de Notícias antes de conversar com os meus colegas de Direcção do partido! Até agora, só se tratou do que vamos fazer. Resta aguardar a decisão do Presidente da República sobre a dissolução e a marcação das eleições. Então, iremos para a lista.
DIÁRIO - Mas já assumiu publicamente que colocará um candidato de cada concelho. Mudou de opinião?AJJ - Um de cada concelho e em lugar elegível. Faço questão disso: nos lugares elegíveis, um de cada concelho.
DIÁRIO - Acabou-se o hábito de o dirigente do Funchal se candidatar pelo campo?AJJ - Não, não, não, esse hábito já não pega. Atenção, há pessoas que vivem cá no Funchal e vivem lá.
DIÁRIO - O caso de Santana, por exemplo.AJJ - O presidente da Assembleia Legislativa não se vai candidatar por Santana, vai candidatar-se como vice-presidente do partido. O dr. José Miguel irá no seu lugar numa lista que é regional. O deputado por Santana terá outro perfil. Não quero que nenhum concelho fique sem representante no Parlamento. Dou-lhe outro exemplo: o dr. Jardim Ramos, que é médico de quase toda a gente no Porto Moniz e passa metade do tempo lá e metade no Funchal. O facto de ele ter casa no Funchal não o impede de ser candidato a representar o Porto Moniz. Eu não sei se ele será candidato, é só um exemplo que me ocorreu agora. É um critério que discutirei com os responsáveis de cada concelho. São 10 lugares em 28 elegíveis.
DIÁRIO - Está satisfeito com o actual modelo organizacional do seu Governo ou, se ganhar as eleições, vai para alterações, na orgânica e nos secretários?AJJ - Nenhum chefe de governo fala disso antes de o fazer. Para já, convidei os meus actuais colegas para me acompanharem durante quatro anos de governo.
DIÁRIO - Nem sequer pode dizer se vai manter o modelo com a Vice-Presidência?AJJ - Ah, de certeza que vou manter esse modelo. De certeza que vou manter a Vice-Presidência e de certeza que vou propor o dr. Cunha e Silva para vice-presidente. De certeza. Se é isso que querem saber, ficam a saber essa.
Campanha sem música nem circo Jardim recusa-se a falar de uma 'fasquia' alta para as eleições antecipadas. "A fasquia é a de sempre", resolve: "Metade dos deputados mais um". Estando assim no horizonte os mínimos para a maioria absoluta - 24 deputados -, a campanha será marcada pela 'calma' e sem 'vedetas' do PSD nacional. Quanto à logística, Jardim aguarda o regresso de férias do homem da 'máquina laranja', Jaime Ramos, que acompanhou o processo da demissão por telefone, pela voz do próprio líder. Mas será a tal campanha serena. "Eu já informei o partido de que se acabaram as cantorias, os artistas, o circo com elefantes", afirma. "Há dificuldades económicas na Região e isto é uma campanha muito séria. Não é preciso uma campanha com muito barulho, porque as pessoas sabem o que se passou. Sei perfeitamente que não vou alterar a opinião de ninguém daqui até ao dia das eleições." O máximo será 'um cartazinho' de propaganda e a cobertura dos Galáxia. Mas há inaugurações para animar a campanha, porque "isto não pára". Deputados contra secretáriosJardim admite ter conhecimento de um certo descontentamento das principais figuras do grupo parlamentar do PSD face ao trabalho de alguns governantes. O líder diz que seria 'hipocrisia' negar esse conhecimento, mas considera tal situação "normal em todos os partidos que são governo". "Seria hipocrisia dizer que não tenho conhecimento disso como também seria alarmismo eu me preocupar com uma coisa que é normal nos partidos de governo", desdramatiza, avançando com um exemplo. "Mesmo em Inglaterra, onde para se ser membro do governo tem de se ser membro do parlamento, há sempre outros deputados do mesmo partido que provocam alguma conflitualidade com os ministros." Para Jardim, "até é bom que as pessoas discordem umas das outras". Mesmo assim, não acha que o PSD-M tenha sido alguma vez um partido de conflitos internos ou de facções. "Uma das grandes missões do líder", entende, "é fazer o papel de pai. Mesmo que os filhos tenham algumas discordâncias, há um momento emque ele tem de saber unir a família." Nalguns casos, o 'pai' do PSD, em vez de unir, ordenou expulsões. Jardim contrapõe que foram "casos absolutamente gritantes de indisciplina partidária". Ainda está fresco o caso de Virgílio Pereira, que saiu de vice do PSD por causa de críticas aos deputados. O líder Jardim nega que tenha havido expulsão ou sequer despromoção. "O prof. Virgílio Pereira assumiu uma posição como vice-presidente do partido que era inconciliável com a posição dos deputados, mediante umas críticas que foram feitas", recapitula. "Como não foi possível encontrar uma solução de reconciliação, seguiu-se o que se seguiu. Mas o prof. Virgílio Pereira nunca foi afastado do partido nem o partido se aborreceu com ele. Nem a minha amizade por ele saiu comprometida. Continuamos a ser visita de casa um do outro"."
in Diário Notícias da Madeira